quarta-feira, 24 de agosto de 2011

FESTA E RODEIO


Numa festa de campanha 
É que me sinto à vontade, 
Faceiro barbaridade 
Alegre bem satisfeito, 
Por isso bato no peito 
Sentindo grande emoção, 
Por ser gaúcho rio-grandense 
E divulgar a tradição. 


Num fandango bem animado 
Numa festa ou num rodeio, 
Pois é lá que estou no meio, 
Alegre dando risada, 
Admiro uma gineteada 
Um ginete cair no chão, 
Levantar e montar de novo 
Em pêlo num redumão. 


E quando chego num rodeio 
No meu tordilho montado, 
De chapéu meio tapeado 
E um doze braças nos tento, 
Pois te juro que não agüento 
Sem desatar o meu laço, 
Mando soltar um novilho 
E dou uma esticada no braço. 


E quando dou um tiro de laço 
No meu cavalo tordilho, 
Nas guampinhas de um novilho 
Vai serrando armada grande, 
Quando um gaúcho se expande 
É bonito pra se olhar, 
O novilho está de corda 
Manda o gancheiro tirar. 


Na abertura de um rodeio 
É linda a programação, 
Demonstrando devoção 
A missa crioula é rezada, 
Se reúne a gauchada 
Num Pai Nosso, Ave Maria, 
Com a proteção do Patrão do céu 
E da prenda Virgem Maria. 


Pois é lindo minha gente 
Divulgar a tradição, 
Pra um fandango de galpão 
Eu sempre fui convidado, 
No meu tordilho montado 
Eu saio a passos largos, 
Pra um fandango no Osório Porto 
Com o patrão Ulisses Camargo. 


O patrão Ulisses Carmargo 
Filho de Campo do Meio, 
Foi de lá que ele veio 
Gaúcho de marca Grande, 
Ande lá por onde ande 
Pisando em outro torrão, 
Sempre defendendo o Rio Grande 
E divulgando a tradição. 


É por isso e mais um pouco 
Que me orgulho de ser gaúcho, 
Este traje bem sem luxo 
Que uso desde guri, 
Por isso eu vou pedir 
E que seja sempre lembrado, 
Nunca me chamem de grosso 
Ao me ver assim trajado.

GINETEANDO

A la putcha meu patrício,
Como é lindo e perigoso
Quando um bagual baixa o toso
Corcoveando num lançante
Sabendo que aquele instante
Só nos separam da morte
As rédeas e a cincha forte
Feita de couro e barbante!

E como é lindo cruzar
Enforquilhado nos bastos,
Riscando o lombo dos pastos
O mesmo que uma centelha
Ou na várzea desparelha
Pro índio sair passeando
Depois de pisar na orelha!

Quando piá, foi o prazer,
Que nunca troquei por outro
Saltar no lombo dum potro
Quando a manada saía
-Artes que a gente fazia,
Se acaso estava solito,
E depois pregava o grito
Quando o bagual se perdia!

Terneiro de marcação,
Ao se levantar do pialo,
Já me levava a cavalo
Ali, bem sobre as cadeira.
Les digo, é uma brincadeira
Que a gente faz sem pensar,
Mas é parte regular
Da aprendizagem campeira!

E cheguei até a pensar,
Pobre guri sem estudo,
No lombo dum colmilhudo
Mais quente que amor de prima.
Que Deus não fez melhor rima
Do que as esporas cantando,
Um redomão corcoveando
E um índio grudado em cima!

Cresci sabendo que o xucro
Exige muito cuidado
Mas que o cavalo aporreado
Exige cuidado e meio.
Levei algum tombo feio
De grande e até de pequeno
Mas cavalo que eu enfreno
Dá pra dançar num rodeio!

Mas pra aquele que não sabe
Ensino como se faz.
-É a moda do capataz
Da estância onde fui guri-
E posso mostrar aqui,
Em linguagem resumida,
As passagens dessa lida
Da forma que eu aprendi!

Me ajuda, amigo parceiro,
Pega um laço, eu pego outro,
Laça de vereda o potro
Bem ali contra o gargalo
Deixa que corra que eu pialo
E enforca, que se boleia,
E antes mesmo da maneia
Mete o buçal no cavalo!

Depois enfia o buçal,
Porque o bagual não se amima,
Que a língua fique por cima
E bem cuidado o arrocho.
E se for de queixo roxo,
É bom dar algum tirão
Que já levante do chão
Meio tonto e garrão frouxo!

Deixa, antes disso, o cabresto
Apresilhado no laço,
Pra evitar um manotaço
Se o bagual le toma a frente
-Nunca é demais ser prudente
Lidando com animal.
Se golpear, não puxe mal,
Pra evitar que se arrebente!

E depois de agarrar firma,
Na mão direita, o fiador,
Leva a outra, sem temor,
Na orelha esquerda do guacho
E puxa firme, pra baixo,
Mas tendo sempre o cuidado
Pra que o bagual desconfiado
Não enxergue onde me acho!

Olha bem como se faz
Vai a carona primeiro,
Pois nem precisa bacheiro
Nessa primeira encilhada.
Lombilho, cincha apertada
Bem sobre o osso do peito,
Rabicho, pra agarrar jeito,
Pelegos, cinchão, mais nada!

Dá um nó nas rédeas, parceiro.
Que a cousa fique parelha
E depois me deixa a orelha
E vai montando no más -
Aprende como se faz,
Pra que nada te aconteça,
Cuida do potro a cabeça
E atira o corpo pra trás!

Não te preocupa com cerca.
Que tu não anda sozinho,
Saio junto e amadrinho
Pra que não haja desconto.
Finca-lhe o mango, de pronto,
E as chilenas, mas cuidado
Não olha pra nenhum lado
Pra mode não ficar tonto!

E ao passear tuas chilenas
Das paletas à virilha,
Vendo as gramas da coxilha
Ora bem longe, ora perto,
Tu compreenderás, por certo,
Essa atração sem igual
Que exerce em nós um bagual
Berrando um campo aberto!

Quando os corcovos pararem
Deixa correr e golpeia,
Flocha o corpo e ladeia,
Puxando em cada costado
Que o potro que é bem golpeado
Dos queixos, não se retova,
E já na terceira sova,
Quando esbarra, está domado!

Essa é a primeira lição,
Mas não esquece parceiro,
Do que te diz um campeiro,
Que não foi arrocinado:
-Um flete só é bem domado
Quando é manso de garupa
Pra poder levar num upa
A china do nosso agrado.

Galpão


Galpão velho chamuscado 
No fogão de gerações 
Onde as velhas tradições 
Desentonadas e ariscas 
Se renovam nas faíscas 
Quando se bate os tições! 


Trazes ao meu pensamento 
O que dantes existia 
Nesta Província bravia 
Gaúcha e pevilegiada 
Na primitiva alvorada 
Do Rio Grande que nascia! 


Velho abrigo Rio-grandense 
Plantado na pampa nua 
Onde a carne meio crua 
Irmanou com Portugal 
A velha Espanha imortal 
E o nobre sangue charrua! 


Foi bem ali junto ao mate 
Nessa rude comunhão 
Quwe definiu-se o padrão 
Do gaúcho flor do pago 
Caudilho monarca e vago 
Cheio de amor ao rincão! 


Na formação do Rio Grande 
Nada influiu como tu 
E até o gaúcho mais cru 
Como berço considera 
Este abrigo que venera 
Desde Sepé Tiaraju! 


Por isso ao te ver deserto 
Local de duendes e assombros. 
Eu sinto sobre os meus ombros 
Na escuridão que se alarga, 
O peso da dor amarga 
Que brota dos teus escombros! 


Só te resta a luz escassa 
Dum campeiro entardecer 
E me parece ao te ver, 
A luz desse clarão vago 
Que és a alma do meu pago 
Que está por se desprender!

Rodada


Acordando quero-queros 
me vim querências deixando, 
na curva funda da estrada 
por onde fui mergulhando, 
ficou apenas o adeus 
do pala branco abanando. 


Pensei que trazia muito, 
mas muito era o que deixava, 
- rancho, gente, mato e rio, 
o pago que me cercava 
e a alma inteira da terra 
que eu sem querer carregava. 


A sombra, irmã das ramadas, 
dos arvoredos, os ruídos, 
rumores do pampa largo, 
onde eduquei meus sentidos 
a até dos cuscos das casas 
trago o latir nos ouvidos. 


E aqui, num mundo distinto, 
onde a cabresto na espera 
vim afogar dia a dia 
meu sonho feito tapera, 
ainda encontro por vezes 
o jeito antigo que eu era. 


Tentei, no lombo dos tempos, 
um mundo para domar, 
mas a xucresa das horas 
fez o meu sonho rodar.

Ginete


Ginete

A coragem ficou 
no que a lenda criou. 
Quando o índio caiu 
só restou... 


O deboche no riso da morte 
ecoando na hora 
em que o taura partiu. 


A coragem ficou 
no que a lenda criou, 
Quando o índio rodou 
só restou... 


A saudade na roda do fogo 
na voz de um velhito 
que dele lembrou 
e o minuano contando lá fora 
às atentas estrelas 
o que dele restou. 


O destino não se muda 
tampouco se muda a sorte 
e o que domou tantos potros 
caiu do lombo da morte.

frases gaúchas

desistir de algo
arrepiar carreira


ser enganado
levar boçal


para receber um presente ou favor não se impõem condições
cavalo dado não se olha os dentes


não temer ameaças de inferiores
praga de urubú magro não mata cavalo gordo


abandonar um negócio
tirar o cavalo da chuva


apressar-se
tocar o petiço


ir mal de negócios e amores
crescer como cola de cavalo


tidos como perigosos
mulher sardenta e cavalo passarinheiro, alerta companheiro


pessoa desconfiada
desconfiado como cavalo torto em porteira


estar à vontade
esparramado como casco de égua velha


com muito esforço
à pata de cavalo


mal de dinheiro
apertado que nem cincha de bagual


pessoa que gosta de chamar atenção sobre si
bate como cincerro de égua madrinha

Revolução Farroupilha




Revolução Farroupilha
História do Rio Grande do Sul
Telmo Remião Moure
Editora FTD S.A.

Um dos temas mais comuns nos livros de História do Brasil é a Guerra dos Farrapos. Observado a partir da perspectiva central agro-exportadora brasileira, o movimento farroupilha riograndense perde qualidade, veracidade e atinge o prosaico.


Mesmo na historiografia e na literatura produzidas no Rio Grande do Sul há distorções que confundem os fatos. Alguns fazem apologia dos heróis e condenam os traidores. Outros tentam desmistificar, mas pouco acrescentam ao conhecimento do contexto, às motivações e conseqüências do movimento dos farrapos. Colocam-se como discussões o caráter separatista ou não do movimento, gerando posições apaixonadas ou constrangedoras para a problemática da identidade regional e nacional.


Estudos históricos e produções literárias mais recentes têm sido mais objetivos. O movimento farroupilha rio-grandense fez parte de exigências locais e esteve inserido no jogo das questões nacionais e internacionais típicas da primeira metade do século XIX.


Com base nessa historiografia mais recente, pretende-se compreender as relações do movimento farroupilha no contexto brasileiro, platino e do mundo ocidental. Além disso, responder a indagações como: quem fez e por que fez a guerra? Quais os interesses em jogo na eclosão e duração do movimento? De que forma foi realizada a paz e por que ela apresenta um certo espírito de "comemoração" entre os legalistas e insurretos? Finalmente, criticar as reivindicações dos farrapos a partir da constatação dos limites da pecuária rio-grandense.


A época e suas relações com a revolta farroupilha
Naquela época, o liberalismo econômico estava derrubando estruturas antigas, calcadas nos monopólios e regimes políticos autoritários e absolutistas. O constitucionalismo surgia como fundamental à história da humanidade. No entanto, os processos de emancipação política e de formação do Estado Nacional brasileiro foram centralizadores e autoritários. Os regionalismos não foram respeitados. Não ocorreram autonomias tanto para interferirem na indicação dos administradores provinciais como na capacidade de legislar em assembléias regionais.


As elites regionais se ressentiram com a dissolução da Assembléia Constituinte de 1823, a outorga da Carta de 1824, as políticas tarifárias não protecionistas, a censura e as perseguições políticas aos inimigos da corte do Rio de Janeiro. Algumas dessas elites recorreram à insurreição armada, sempre reprimidas e vencidas pelo centralismo monárquico. Foram as classes dominantes do Pará e do Amazonas que iniciaram a Cabanagem. O mesmo ocorreu na deflagração da Balaiada, no Maranhão. Nessa e em outras revoltas os setores dominantes foram surpreendidos pela participação crescente dos segmentos dominados. A emergência dessas camadas preocupava as elites porque elas extrapolavam os objetivos iniciais dos movimentos, voltando-se contra a estrutura de dominação social. Outras revoltas, como a dos farrapos, não permitiram que setores mais populares, e dominados socialmente, extrapolassem os objetivos estabelecidos pelas elites locais.


A Guerra dos Farrapos foi um movimento da classe dominante rio-grandense, em oposição ao centralismo exercido pela corte do Rio de Janeiro, e só.


Participação de grupos sociais
A maior parte dos criadores e charqueadores engajaram-se como militantes ou financiando a insurreição. Os comerciantes, em sua maioria, assumiram posição defensiva ao lado do governo monárquico, chamados de legalistas. Intrigas entre os chefes políticos pecuaristas produziram deserções ou posicionamentos opostos ao longo do movimento.


Os habitantes de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande, na época as principais cidades do Rio Grande do Sul, nunca aderiram, em sua totalidade, ao movimento. Cabe destacar que Porto Alegre, a principal base de sustentação dos legalistas, ganhou o título de "mui leal e valorosa" do monarca brasileiro. A República Rio-Grandense criada no dia 11 de setembro de 1836, teve como sedes administrativas as cidades de Piratini, Caçapava e Alegrete, expressando nas mudanças a fragilidade estratégico-militar do movimento.


A revolta teve mais apoio no meio rural (junto a pecuária extensiva). O movimento não foi acolhido pelos imigrantes germânicos que já iniciavam a ocupação da encosta do planalto meridional (São Leopoldo, Montenegro, Caí e arredores). Nas cidades, os comerciantes e os segmentos sociais, em geral, dividiram-se, mas pouco fizeram a favor ou contra. O movimento farroupilha rio-grandense nunca dominou um porto, por tempo razoável, para escoar produtos e, assim, garantir a sobrevivência imediata dos insurretos. Realizaram a tomada de Laguna, buscando alcançar um porto mais permanente, mas foram derrotados e expulsos, em pouco mais de três meses.


A questão dos "heróis"
A Guerra dos Farrapos tem garantido à historiografia oficial e à ideologia dominante extensa "galeria de heróis", muitas vezes equiparados aos semideuses, e a guerra equiparada a uma "epopéia". Outras vezes, os personagens são denunciados como "oportunistas", "contrabandistas", etc. Certamente os episódios históricos de 1835 a 1845 podem ensejar referenciais importantes à problemática de símbolos e identidades sociais e nacionais. Mas é necessário compreender que o movimento dos farroupilhas passou por análises teóricas relacionadas ao republicanismo, constitucionalismo e cidadania. Vários foram os pensadores que se ativeram aos temas, deixando registros dessas discussões. Mais do que isso, os "heróis" não podem ofuscar o que os farrapos não visualizavam: uma sociedade entravada, com uma pecuária debilitada, sem perspectivas de avanços no mercado altamente competitivo que se desenvolvia a partir do século XIX. Além disso, o movimento farroupilha lutou pelos interesses da classe dominante pecuarista rio-grandense, descaracterizando-se, portanto, uma visão mais abrangente, com justiça distributiva.


Bento Gonçalves da Silva, Bento Manuel Ribeiro, Davi Canabarro, Antônio de Souza Neto e muitos outros eram pecuaristas ou estavam envolvidos com a pecuária. Todos lutaram nas guerras empreendidas por lusos-brasileiros na bacia Platina, desde a conquista militar dos Sete Povos das Missões, passando pela Guerra Cisplatina. Depois de 1845, muitos continuaram lutando com os vizinhos platinos. Merece destaque a figura de um mercenário, Guiseppe Garibaldi, que também lutou ao lado de Rivera, no Uruguai, e participou das guerras pela unificação da Itália. Outros mercenários participaram da Guerra dos Farrapos ou estiveram engajados nas tropas inimigas (legalistas).


Insurreição ou Revolução?
A insurreição que os farrapos preferiam chamar de revolução durou dez anos. Fazer revolução significava avançar na História, mesmo para os segmentos dominantes doinício do século XIX. Aliás, a revolução implicava o uso da força, legitimando o movimento. Os exemplos das elites dominantes da América do Norte, França e Inglaterra estimulavam processos revolucionários com objetivos de destruir o arcaico, o antigo, o ultrapassado. Só que os farroupilhas não questionaram a escravidão em seu sistema produtivo nem ao menos tiveram condições de ensaiar planos de liberdade e crescimento econômico. Identificaram-se mais com o conflito centro versus periferia. Por isso, é incorreto chamar o movimento de revolução. Foi uma guerra civil entre segmentos sociais dominantes.


Além disso, a escravidão era a "doença" que o paciente não aceitava ter. Preferia dirigir suas críticas à falta de protecionismo alfandegário. Esquecia-se ou não queria entender que a estrutura produtiva da charqueada rio-grandense retraía a capacidade de competir com os similares platinos. Este sim era o principal problema da pecuária rio-grandense, que só teve espaço no mercado enquanto os concorrentes platinos estavam envolvidos em guerras contra o domínio espanhol ou na disputa pelo controle do Estado Nacional. Foi sintomático: de 1831 em diante, os platinos entraram em período de relativa paz, voltaram a criar gado e produzir charque sem os inconvenientes das guerras. Com isso, o charque rio-grandense entrou em colapso. Em 1835 eclodia o movimento farroupilha.


Resultados do Movimento
Por dez anos, a guerra civil prejudicou o setor pecuarista.


As perdas foram muito maiores do que os lucros políticos e econômicos do movimento. Os pecuaristas saíram mais endividados junto aos comerciantes e banqueiros. Propriedades rurais, gado e escravos foram perdidos e tornou-se muito difícil repô-los posteriormente.


A paz honrosa de Poncho Verde, em 1845, acomodou as crescentes dificuldades dos farrapos, pois não interessava ao governo monárquico reprimir uma elite econômica. Aos oficiais do Exército farroupilha foram oferecidas possibilidades de se incorporarem aos quadros do Exército nacional. Líderes presos foram libertados e a anistia foi geral e imediata.


Antes e depois da Guerra dos Farrapos, os rio-grandenses lutaram contra os platinos, defendendo militarmente os interesses da coroa portuguesa e, a partir de 7 de setembro de 1822, os da corte brasileira. Ou seja, interessava ao governo do Rio de Janeiro assinar o acordo de Poncho Verde porque a política externa brasileira ainda necessitaria dos serviços militares (sempre disponíveis) da Guarda Nacional formada por estancieiros e peões rio-grandenses.


Quanto à política tarifária, medidas sem expressividade e pouco duradouras tentaram transparecer um melhor tratamento dado ao produto nacional. A estrutura produtiva ultrapassada (baseada na escravidão) não foi alvo de preocupações.


A sensação que existe hoje, passado um século e meio, é a de que as motivações daquele movimento não foram superadas. Por um lado, o Rio Grande do Sul continua em situação de mando político dependente, com uma economia pouco beneficiada no processo de acumulação capitalista que se reproduz no Brasil. Por outro, o Rio Grande do Sul não consegue "enxergar o próprio umbigo" e compreender que suas dificuldades resultam da forma como tem sido realiada sua inserção como sócio menor no sistema capitalista brasileiro. Expressando-se de forma figurativa, o Rio Grande do Sul continua produzindo e vendendo charque, subsidiando (perifericamente) o funcionamento do mercado exportador brasileiro e sem cacife no processo político-decisório nacional.


Manifestos de Bento Gonçalves
"Compatriotas! O amor à ordem e à liberdade, a que me consagrei desde minha infância, arrancaram-me do gozo do prazer da vida privada para correr covosco à salvação de nossa querida pátria. Via a arbitrariedade entronizada e não pude ser mais tempo surdo a vossos justos clamores; pedistes a cooperação de meu braço e dos braços que me acompanham, e voei à capital a fim de ajudar-vos a sacudir o jugo que com a mão de um inepto administrador vos tinha imposto uma facção retrógrada e antinacional."


"A inaptidão que desde logo mostrou para tão elevado cargo e a versatilidade de caráter do Sr. Braga favoreceram os desígnios dos perversos, que nele acharam o instrumento de seu rancor contra os livres; e no poder anexo a presidência o meio de saciar suas ignóbeis vinganças."


"O Governo de sua Majestade Imperial, o Imperador do Brasil, tem consentido que se avilte o Pavilhão Brasileiro, por uma covardia repreensível, pela má escola dos seus diplomatas e pela política falsária e indecorosa de que usa para com as nações estrangeiras. Tem feito tratados com potências estrangeiras, contrários aos interesses e dignidade da Nação. Faz pesar sobre o povo gravosos impostos e não zela os dinheiros públicoos... Faz leis sem utilidades públicas e deixa de fazer outras de vital interesse para o povo... Não administra as províncias imparcialmente... Tem conservado cidadão longo tempo presos, sem processo de que constem seus crimes."


Proclamação
Sala das sessões da Asembléia Constituinte e Legislativa
(Alegrete, 1843)


RIO-GRANDENSES!


Está satisfeito o voto nacional. Chegou finalmente a época em que vossos Representantes reunidos em Assembléia Geral vão formar a Constituição Política, ou a Lei fundamental do Estado. Desde o primeiro período de nossa Revolução, desde o primeiro grito de nossa Independência, é este sem dúvida um dos sucessos mais memoráveis, que deve ocupar um dia as páginas da história. Dentro em pouco tempo o edifício social será levantado sobre bases certas e inalteráveis.


...
Concidadãos! Os destinos da Pátria dependem principalmente de vossa constância e valor. Nesta luta de liberdade contra a tirania vós tendes dado um exemplo heróico do mais nobre, desinteressado patriotismo, e vossos dolorosos sacrifícios assaz provam, quanto pode uma Nação generosa, e magnâmica, que jurou não ser escrava.